Hoje, no meio evangélico, e talvez até entre os batistas, quem quiser continuar sendo tradicional, quase tem de pedir desculpas aos chamados "contemporâneos" (me refiro aos praticantes do evangelho da pós-modernidade). Então, como pastor batista tradicional assumido (não fundamentalista, nem tradicionalista), gostaria de pedir desculpas, a quem interessa possa, pelos seguintes motivos:
1- Creio que em 2Timóteo 3:14 (Tu, porém, permanecesse naquilo que aprendestes, e de que fostes inteirados, sabendo de quem os tens aprendido."), o Espírito Santo me ordena a permanecer naquilo que aprendi. Como tenho convicção que o que aprendi vem de o Senhor Jesus através de sua palavra infalível - a Bíblia Sagrada - quero continuar tradicional nesse permanecer, entendo, de forma simples, que a "fé que de uma vez por todas foi entregue aos santos" (Jd 3), não comporta novidade alguma como acréscimo. Prova disso é a convicção de Paulo em Atos 20:27, afirmando que anunciou aos irmãos de Éfeso "todo o conselho de Deus". Creio também que todo o conselho de Deus já está lá, nas Escrituras Sagradas! Ela é completa e suficiente como rumo da fé! Como tenho medo de me "apartar da simplicidade e da pureza que há em Cristo" e seguir "outro evangelho" (2Cor. 11:3-4), prefiro continuar tradicional na doutrina bíblica a seguir os "visionários" do evangelho da pós-modernidade, temperado até com doutrinas da nova era (só não vou citar alguns nomes dos promotores deste evangelho anátema, porque teria, por uma questão de justiça, de citar nomes até de pastores batistas, incoerentes, pois de batistas só mantém o rótulo, ms o legado doutrinário e histórico já sacrificaram nos altares do humanismo e do pragmatismo), mesmo que muitos que estão seguindo "a visão" ou "a unção" dos anátemas estejam conseguindo o tão almejado "sucesso".
2- Lendo o contexto do texto (2Tm. 3:1-9 e 4:3-4), entendo que o apóstolo Paulo, inspirado pelo Espírito Santo, já estava antevendo a influência maléfica que o humanismo, o antropocentrismo, o misticismo-sincrétista e o relativismo iriam exercer sobre as igrejas. Essa influência trouxe, dentre outras mudanças importantes (para não dizer letais, pois aí seria muito negativismo...), pelo menos duas muito sensíveis:
2.1- A maneira de encarar a fé. A fé deixou de ser alicerçada na revelação do mistério de Deus - Cristo - que é seu autor, consumador e ápice desta revelação, contida tão somente na Palavra de Deus, a Bíblia Sagrada, e passou a ser encarada como uma "lei que pode ser dominada por qualquer pessoa que aprende os seus segredos". Sendo assim, "a fé perdeu sua base nas escrituras e passou a ser intimizada: o que cada um pode sentir passou a ter mais valor do que o que está escrito. A fé intimizada, vivida em nível de sensações e sentimentos... (com isso) a tradição e a história perdem o valor e dá-se muito mais valor às emoções, visões, sonhos...." (Pr. Isaltino Gomes Coelho Filho).
2.2- A questão da liturgia. Mesmo que muitos digam que liturgia não tem nada a ver com doutrina, na verdade ela expressa a doutrina que abraçamos. A liturgia do "evangelho da pós-modernidade" transformou o culto num "show", num entretenimento para afagar o ego humano. Num ambiente assim, vale o que está na moda e fazendo sucesso (aqui em minha cidade, uma igreja "evangélica" promove roda de capoeira no santuário, para atrair jovens). As músicas e hinos são julgados pelo tempo de uso e pelo ritmo, não mais pela sua mensagem. Mesmo que um hino seja pura adoração e tenha uma teologia realmente bíblica, pode ser duramente rechaçado se estiver num hinário considerado antigo, tradicional, como Cantor Cristão por exemplo.
Peço licença para não aceitar essa forma simplista e imatura de julgar o valor de uma música de adoração, e também não posso aceitar o desvio da fé que o tal "movimento da fé" está impondo sobre as igrejas. Se isso é contextualização, tô fora! Como professor, trabalhando na rede públicas com adolescentes, tenho lutado para ensinar aos meus alunos que contextualização não é massificação - o ato de deixar de pensar - e que eles não precisam colocar piercing em toda parte do corpo para se sentirem contextualizados. Será que os nossos cultos têm que seguir todos um mesmo padrão (o padrão lagoinha!).
Prefiro continuar tradicional e ter a liberdade de poder pensar, de poder julgar o que presta e o que não presta. Prefiro ficar com a liberdade de usar somente a Bíblia como regra de fé e conduta e como referencial para o culto, para a adoração e o louvor, tendo assim liberdade para cantar os cânticos contemporâneos que me convierem e também, a liberdade de cantar hinos considerados antigos, sem ter que ficar "constrangido" por isso, o que me interessa é se sua mensagem é abalizada pela Bíblia.
3- Por fim, peço licença para continuar tradicional, crendo que minha maior necessidade não é entrar para esse ou aquele movimento ou conhecer "o mais novo método" de crescimento da igreja (assim como no louvor, sou livre também para conhecer e praticar ou não um método, desde que seja realmente bíblico e viável para a realidade de minha igreja). O de que mais necessito é conhecer a Jesus, saber mais dele e me envolver cada vez mais com ele, tornando assim possível que outros venham a conhecê-lo também. "Antes crescei na graça e no conhecimento de Cristo Jesus" (2Pedro 3:18). Esse conhecimento é muito mais escriturístico do que místico. Continuar tradicional, a meu ver, não é ignorar os desafios e as necessidades (crises) do homem do meu tempo e viver preso ao passado nostálgico, não! É, dentre outras coisas, viver a fé de maneira vibrante, dinâmica, com alegria contagiante (opa! Mas sem pula-pula e requebrados"!). A abordagem ao homem contemporâneo, certamente é contemporânea, mas a resposta aos seus dilemas certamente é tradicional: "Cristo é a Única Esperança!" A resposta não é uma campanha, ou um método, não são palavras mágicas de "mantras evangélicos", não é um movimento de primeira ou "terceira onda", a resposta é uma pessoa É Jesus!
Ele deixou em seu testamento o rumo da igreja, a base e o objetivo da fé: Ele mesmo. Mas, para muitos, como diz o já citado Pr. Isaltino, "a visão é ser uma mega-igreja. Neste afã, doutrinas e posições históricas são sacrificadas por métodos esquisitos e antibíblicos desde que estes dêem certo. O que vale é o pragmatismo de ajuntar gente, de ter uma igrejona... A igreja precisa de rumo. Ela não precisa de novos propósitos como alguns parecem interpretar".
Quero continuar tradicional pregando apenas a sã doutrina, a palavra, a pessoa de Jesus e sua obra redentora, singular, na cruz "que ainda firme está". Mesmo que isto signifique ter um "perfil" inadequado para a cultura vigente (viva e venerada em nossos processos de sucessão pastoral). Nossa "cultura" prefere se voltar às fábulas. Quero ser um "pastor desnecessário", pregando a Cristo, considerando isso um grande privilégio que me faz tremer de temor.
Termino fazendo um apelo: Que outros irmãos, pastores, líderes, assumam posição. Mesmo que alguns achem esse tema "controverso" e cheguem a ficar "ababelados". Mesmo que haja "um zelo insano para conter o debate", como disse o dc. Joel Evangelismo Bueno (OJB nº 37, edição de 12/904, p.7). Mesmo que alguns venham a dizer que isso é fundamentalismo. Não importa, é preciso assumir e manifestar posição. Louvo a Deus por aqueles que já o tem feito com maestria. A todos meu muito obrigado. Quanto aos que não concordam com uma tomada de posição, além do meu pedido de desculpas, quero pedir licença para parafrasear Paulo: Daqui pra frente ninguém me importune, pois trago em minha consciência a convicção de um batista tradicional e em meu caráter quero ter as marcas de Cristo.
Pr. Eliseu Lucas - Igreja Batista Vieira, em Teresópolis RJ
(Publicado no O Jornal Batista em 24/4/05)
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